Os Muros nas favelas do Rio de Janeiro


Ler sobre o projeto de construir muros para conter o avanço das favelas do Rio de Janeiro me causou indignação como cidadã e como profissional. Não é possível que em pleno século 21 ainda sejamos obrigados a assistir que o Estado intervenha na questão urbana de maneira tão medieval. 
A idéia vendida é que esses muros de concreto irão impedir que as encostas sejam desmatadas e ocupadas irregularmente pela população menos favorecida da sociedade.Juntamente com isso, muitos tentam convencer de que haverá uma diminuição da violência e do poder do crime organizado. 
Numa época em que tanto se fala de participação da sociedade nas políticas urbanas, muito me surpreende que este projeto já esteja sendo colocado em prática. Como cidadã me revolto em ver que R$ 40 milhões de reais serão gastos em um projeto que está fadado ao fracasso. Como profissional a minha revolta é perceber que a Arquitetura é usada como um instrumento de ilusão e demagogia, se afastando cada vez mais de sua principal função: a de servir como instrumento de progresso e bem-estar social.
Li opiniões de várias pessoas sobre esse tema. Pessoas reconhecidas por seus trabalhos e por sua importante contribuição cultural.
"Cá para baixo, na Cidade Maravilhosa, a do samba e do Carnaval, a situação não está melhor. A ideia, agora, é rodear as favelas com um muro de cimento armado de três metros de altura. Tivemos o muro de Berlim, temos os muros da Palestina, agora os do Rio. Entretanto, o crime organizado campeia por toda parte, as cumplicidades verticais e horizontais penetram nos aparelhos de Estado e na sociedade em geral. A corrupção parece imbatível. Que fazer?"  (José Saramago, escritor português. Vencedor do Prêmio Nobel de Literatura)
"O muro separa, cria guetos. Vai na contramão da nossa luta de defender que favela faz parte da cidade."(Itamar Silva, coordenador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômica)
"...há um elemento de segurança pública no muro, escondido pelo governo para não aumentar a polêmica." (Ignácio Cano Professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro na área de "Metodologia das Ciências Sociais).
Ao ler sobre esse projeto e toda a polêmica que foi gerada com ele, eu lembrei de um filme que assisti há um tempo atrás. O nome do filme é Os Gangs do Bairro 13. Este filme é francês. Seu nome original é Banlieue 13 e foi lançado em 2004. Ele conta a história de um bairro tomado pelo crime e pela violência.
A solução encontrada pelo governo foi separar esta área do resto do tecido urbano construindo muros gigantescos em torno do mesmo. É como se o Estado desse a permissão para que o crime organizado pudesse atuar livremente nessa área sem a intervenção das autoridades, suplantando todos os direitos civis dos cidadãos, já que os mesmos não podiam sair dos limites definidos pelos muros. Com o tempo todos os serviços públicos vão se acabando no Bairro 13. Escolas são fechadas por falta de professores, que fogem da violência e do vandalismo. O analfabetismo cresce, os jovens passam mais tempo na rua do que em afazeres úteis, dando cada vez mais espaço para que os marginais se utilizem desse "exército" para o seu próprio benefício. Guerra de gangues rivais produzem combates violentos nas ruas, que se encontram desertas e sem uso público.Um ciclo que parece sem solução e que se transforma em um grande problema para o governo local, que sofre a pressão da sociedade para resolver de vez o "problema" do bairro 13.
Os cidadãos que vivem fora dos muros olham para aquele bairro como se fosse uma bomba relógio, pronta para explodir a qualquer momento. Então o governo elabora um plano que poderá solucionar de vez a questão. Eles encaminham um importante oficial de operações especiais, Damien, para desativar uma bomba altamente destrutiva que está em poder do maior criminoso do bairro. Este oficial é posto em contato com um jovem morador e que é conhecido por nunca ter se curvado ao poder do crime organizado. Juntos eles tentam salvar a população do perigo da bomba. Mas o que seria apenas mais uma missão heróica do competente oficial se torna a maior decepção de sua vida e principalmente de sua carreira.
Ao entrar naquele lugar delimitado por muros, separado do resto da sociedade, ele compreende que ainda há resistência e vontade da população em mudar aquela situação, embora a mesma esteja sempre suplantada pelo medo. Leito, o jovem que tem como principal característica sua coragem, se une ao oficial para tentar impedir que a bomba exploda em questão de horas. Acostumado a não acreditar nas promessas e na boa vontade política, Leito passa a desconfiar da missão dada ao oficial. Ao encontrarem a bomba travam uma batalha pessoal. O oficial quer terminar a sua missão, obedecer às ordens e digitar os códigos que desativariam a bomba. O jovem morador é contra, pois acha que na verdade esse código seria para ativar a mesma e destruir todo o bairro.
Impedido por Leito e por sua rmã, o oficial não consegue digitar o código a tempo e tem a maior decepção de sua vida. Saber que foi usado e enganado pelo governo e que na realidade sua função era ativar o código que mataria milhares de pessoas, inclusive ele mesmo.
O escândalo desse plano é divulgado em todos os veículos de comunicação, o que faz com que as autoridades decidam entrar no bairro, destruir os muros e reintegrar essa parcela da população à sociedade, com a reinserção de serviços públicos no local.
Esse é um pequeno resumo de um filme que vale à pena ser visto. O que me entristece é ver que isso não está na ficção. É a nossa realidade. Estamos vivendo a criação de vários bairros 13 no Rio de Janeiro. Só nos resta optar assistir esse projeto ser implantado como se fosse um filme que colocamos no dvd e desligamos ao final, ou se vamos impedir, resistir, trazer à tona as nossas insatisfações como cidadãos na má aplicação do dinheiro público e na segregação social.
(Este texto foi publicado originalmente em 07/04/09 em http://jmarreirosarquiteta.blog.uol.com.br/)

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